A existência de uma organização criminosa dentro da prefeitura de Urussanga é um dos principais pontos destacados na denúncia do Ministério Público de Santa Catarina ao Poder Judiciário. A denúncia é referente aos desdobramentos da Operação Terra Nostra, com as fases deflagradas no dia 21 de março e 16 de abril de 2024. Toda a investigação apurou que a prefeitura comprou dois lotes com valores superfaturados.

Na segunda fase, os quatro principais envolvidos foram presos preventivamente: o prefeito Luis Gustavo Cancellier, os vereadores Elson Roberto Ramos, o Beto Cabeludo, e Thiago Mutini, além do ex-servidor comissionado Marcial David Murara, o Xixo. Além desses quatro, a denúncia do MPSC também consta a participação de outras quatro pessoas, entre elas o assessor parlamentar do Partido Progressista no Legislativo, o até então chefe de gabinete do prefeito Cancellier e outros dois servidores municipais, que deixaram de atuar na prefeitura antes dos desdobramentos da operação.

A denúncia apresentada no último dia 2 de maio ainda destaca a manutenção da prisão preventiva, além da manutenção das medidas cautelares diversas da prisão aplicadas aos outros quatro envolvidos que não foram presos. No documento, o MP cita que Beto Cabeludo não fazia parte do esquema de organização criminosa, mas que um dos objetivos do grupo era comprar o apoio político do vereador.

Além dos envolvidos no esquema de organização criminosa e de corrupção passiva e ativa, o MPSC denuncia duas pessoas por falso testemunho: o então secretário de Obras, e um funcionário de uma empresa imobiliária de Urussanga. Há ainda outros envolvidos na confecção das avaliações imobiliárias dos lotes, que as realizaram com valores superfaturados. Na denúncia, o Ministério Público recomenda que as situações sejam apuradas pela Justiça da Comarca de Urussanga.

Entenda

Conforme apurado nas investigações, o esquema iniciou em 2021. Na época, o prefeito, como chefe da organização, arquitetou uma forma de adquirir, por meio de desapropriação, terrenos privados superfaturados, porém sem interesse público efetivo. Naquele ano, a Comissão Municipal de Avaliação de Bens Imóveis foi solicitada para averiguar sobre a compra de um terreno para a construção da Área Industrial 3. Conforme o MP, um empresário, que fazia parte da comissão, não concordou com o valor estimulado. Segundo o depoimento presente na denúncia, o valor ofertado para a prefeitura era de aproximadamente R$ 1,2 milhão. Porém, o empresário não assinou a autorização já que, em sua opinião, o lote valia no máximo cerca de R$ 250 mil. O empresário em questão deixou de fazer parte da comissão, já que a prefeitura não o chamou mais para as avaliações, conforme constado na denúncia.

Ainda em 2021, o prefeito Cancellier foi afastado do cargo após a Operação Benedetta, da Polícia Federal. Ao retornar ao cargo, em junho de 2022, o prefeito continuou com o plano de comprar o terreno para a Área Industrial com o valor superfaturado. A denúncia ainda salienta que o prefeito fez a compra mesmo sabendo que a Área Industrial 1 possuía lotes disponíveis e que as obras da Área Industrial 2 não tinham sido concluídas ainda. Na denúncia, para comprar o lote, o prefeito, em maio de 2023, editou o decreto constituindo os membros da Comissão Municipal de Avaliação de Bens Imóveis, no qual os integrantes são cinco dos denunciados.  A nova comissão aprovou a compra do terreno no valor de R$ 1.299.951,08. A perícia apontou que, na verdade, o lote em questão tem um valor de avaliação de R$ 848.487,00. Isso porque o terreno possui uma possível área de preservação ambiental, além de ser uma área inundável, desvalorizando a propriedade.

Segundo a denúncia, para justificar o valor superfaturado da compra, os membros da comissão usaram como base a avaliação de três imobiliárias diferentes. “Entretanto, a integridade das avaliações realizadas pelos profissionais que, supostamente, foram consultados pela Comissão Municipal, é, no mínimo, questionável”, afirma a denúncia do MPSC. Conforme a denúncia, a ação da organização criminosa resultou no desvio de, pelo menos, R$ 571.436,55, em benefício a empresa proprietária do terreno. “Renda essa oriunda dos cofres públicos do Município de Urussanga, que suportou o prejuízo financeiro em detrimento da garantia dos interesses pessoais de seu gestor e do antigo proprietário do imóvel”, destaca a denúncia apresentada pelo Ministério Público.

O outro terreno comprado com valor superfaturado está ligado a crimes de corrupção ativa e passiva. Além desses, há também indícios de desvio de renda pública e falsidade ideológica. O lote foi arrematado em um leilão pelo valor de R$ 55 mil em 2021. Apesar de estar no nome de uma outra pessoa, as investigações apuraram que o terreno foi adquirido em conjunto com o vereador Beto Cabeludo. Testemunhas relaram aos agentes policiais que o terreno era, de fato, de Beto, apesar de estar no nome de outra pessoa.

Apesar do valor aproximado de R$ 55 mil, esse terreno foi adquirido pela prefeitura de Urussanga por R$ 643.540,00. Esse valor superfaturado foi uma forma do prefeito Luis Gustavo comprar o apoio político do vereador Beto, que era de oposição ao seu governo. A denúncia do MPSC apresenta diversas provas que colaboraram com a mudança de postura política de Beto a partir da metade de 2023. O documento ainda cita que o prefeito sabia das dificuldades financeiras do vereador e, por isso, para obter o apoio dele, expressou interesse em desapropriar o terreno. “No entanto, ao proceder à perícia de avaliação do imóvel objeto de desapropriação, a Polícia Científica, órgão permanente de perícia oficial do Estado de Santa Catarina, concluiu que, na realidade, o valor do imóvel corresponde ao montante de R$ 534.112,00 (quinhentos e trinta e quatro mil e cento e doze reais), tendo em vista que “os dados pesquisados eram majoritariamente dados de oferta e que o terreno 1 não possuía infraestrutura de acesso definida”, destaca o documento do MPSC sobre o valor do lote.

O documento ainda cita que: assim, os agires dos denunciados resultaram no desvio de, pelo menos R$ 109.428,00 (cento e nove mil e quatrocentos e vinte e oito reais) em benefício dos denunciados, renda essa oriunda dos cofres públicos do Município de Urussanga, que suportou o prejuízo financeiro em detrimento da garantia dos interesses pessoais de seu gestor e dos antigos proprietários do imóvel.

De acordo com o Ministério Público, nesse terreno a comissão também usou como base a avaliação de três corretores para justificar a compra com o valor superfaturado. Em uma das avaliações, a investigação descobriu que o pedido não foi feito pela comissão, e sim por uma pessoa que trabalha em uma imobiliária. A pessoa teria encaminhado fotos do terreno para o avaliador, que nem foi ao local para fazer o laudo com o valor da avaliação. Essa pessoa, inclusive, já trabalhou na prefeitura entre 2018 e 2023, tendo sido testemunha do prefeito no processo da Operação Benedetta. Ela também foi uma das denunciadas por falso testemunho.

Para destacar a existência de uma organização criminosa, a denúncia do Ministério Público conta com diversas evidências. Entre elas, estão as conversas no WhatsApp, no qual os envolvidos marcavam encontros presenciais para tratar sobre os assuntos. Além disso, diversas mensagens foram apagadas no aplicativo. Em um trecho da denúncia, por exemplo, o MP cita que “a sequência dessa conversa revela a hierarquia do denunciado e o cuidado da organização criminosa em não deixar rastros ou sinais de suas atividades espúrias” sobre um dos prints de uma conversa de Xixo e uma servidora comissionada da prefeitura.

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