Há exatos 20 anos, o Sul catarinense e o Norte gaúcho vivenciavam o período mais tenso da passagem do Furacão Catarina. Os ventos da primeira parte do furacão, a calmaria e o céu estrelado durante o olho e a continuação dos estragos da segunda parte marcaram a vida de milhares de pessoas. Tudo isso ocorreu durante a madrugada do dia 27 para o dia 28, um final de semana. De acordo com a meteorologista Gilsania Cruz, da Epagri/Ciram, os especialistas identificaram uma situação diferente já na quinta-feira. Na sexta, a equipe do Centro de Furacões entrou em contato com a Marinha do Brasil.

Conforme Gilsania, os modelos matemáticos utilizados pela Epagri na época eram menores para medir o fenômeno. “A gente fez uma ligação para o Centro de Furacões e eles disponibilizaram um modelo próprio para furacões aqui no Sul do Brasil”, explica. Segundo a especialista, as primeiras previsões indicavam que o furacão estava próximo de Florianópolis. Depois, o modelo indicava para a direção do Sul catarinense e Norte do Rio Grande do Sul. A meteorologista destaca que os ventos do furacão chegaram a 146,7 quilômetros por hora na estação da Barragem do Rio São Bento, em Siderópolis.

O Furacão Catarina foi o primeiro de que se tem registros no Brasil. O nome foi dado pela própria equipe da Epagri, que escolheu entre esse e “Anita”. O furacão foi classificado na categoria 2 na escala Saffir-Simpson. “Nas cidades costeiras, ali de Balneário Arroio do Silva, os danos que ocorreram por causa dele foram mais severos. Então, a estimativa desses danos chegou a ser colocada como ventos em torno de 180 quilômetros por hora”, destaca Gilsania.

Imagens de satélite mostram a passagem do furacão (Foto: Reprodução)

A especialista explica que duas condições de tempo geraram o furacão: temperaturas altas no oceano e bloqueio na atmosfera. “A gente tinha uma temperatura anômala no oceano que fez com que ele se alimentasse para chegar até a costa”, exemplifica. “Do Catarina para cá eu acho que acendeu uma luz para os meteorologistas do Brasil inteiro”, frisa. “Hoje em dia quando acontece qualquer uma dessas formações diferentes está todo mundo de olho”, acrescenta Gilsania.

Na época foram registradas 11 mortes, 14 municípios decretaram situação de Estado de Calamidade Pública e sete Situação de Emergência. Dados do Banco Mundial e do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (CEPED/UFSC) apontam que 250 mil pessoas foram afetadas, 26.443 desabrigados e desalojados, caracterizando 211,4 milhões de danos e prejuízos. O programa Ponto de Encontro realizou uma entrevista especial sobre o assunto. Confira:

 

Gilsania lembra que na época os especialistas pediram para as embarcações saírem do mar. “A gente fez esse pedido para retirar todo mundo entre quinta e sexta-feira, que não era para deixar ninguém, porque os pescadores não estavam acostumados com o sistema que viesse na direção que ele viria”, conta. “A gente tinha o Hamilton, que era um que trabalhava com a gente e ficava na base de dados ali em Paço de Torres. O Hamilton, por rádio, tirou a maior parte dos pescadores, mas teve uma embarcação que não atendeu e outra que não acreditou”, acrescenta.

Para a especialista, a passagem do olho do furacão faz com que os ventos fiquem mais calmos e o céu mais limpo, fazendo as pessoas acreditarem que o pior passou. “Depois, a segunda parte dele é a outra parte que preocupa, porque na primeira tu já teve estragos e já teve coisas que foram para o chão, placas, árvores, tudo. E na segunda parte da passagem dele, ele vai arremessar isso tudo que já tinha caído”, comenta. “Essa é uma preocupação muito grande também por isso, porque na época a gente pensava nisso: as pessoas vão, na hora que passar o olho, pensar que acabou e não acabou”, acrescenta.

Gilsania estava grávida de quatro meses na época do furacão. Ela, junto com a equipe, passou vários dias informando as pessoas, principalmente através do rádio. No domingo, com o fim da passagem dele, os profissionais já estavam sem voz de tanto repassar as informações. Para a especialista, passados 20 anos, o Brasil possui mais tecnologia para poder identificar um novo fenômeno do tipo com mais antecedência.

O papel do rádio

O furacão aconteceu em 2004 e, naquela época, a internet não era tão acessível como é hoje. Se atualmente o rádio continua fundamental no papel de informar as pessoas, 20 anos atrás era ainda mais valorizado. O locutor da Rádio Marconi, Joel Bernardo, tinha 18 anos na época e atuava na Rádio Hulha Negra, em Criciúma. “Demorou para faltar a energia elétrica, por isso foi possível ficar no ar por um bom tempo, até a madrugada”, conta. “Eram muitas dúvidas em relação ao que iria acontecer, o Coutinho participou muito também naquela oportunidade”, acrescenta. “Foi uma cobertura muito marcante, não tenho dúvidas”, salienta Joel.

Uma das lembranças do locutor envolve sua ida para o Balneário Rincão. Durante um rodízio dos apresentadores, Joel foi para o município de madrugada, por volta da meia-noite. “Dos cenários que eu consegui ver, observando naquele momento a olho nu, foi o pior cenário, até porque o Balneário Rincão, por ser uma região litorânea, praia aberta, foi um dos locais mais prejudicados, tanto é que a recomendação principal era de que as pessoas saíssem da praia”, relembra. “O papel do rádio, em situações como essas, climáticas, foi um papel fundamental de orientação”, comenta o jornalista.