Desde terça-feira, dia 16, milhares de candidatos estão realizando as suas campanhas eleitorais em busca de votos para a eleição. Em outubro, milhões de eleitores brasileiros vão às urnas votarem em seus candidatos que julgam representar melhor a população. Com o início da campanha, eleitores poderão ter acesso a propagandas de candidatos, que serão veiculadas em rádios, canais de televisão, além das passeatas e distribuição de panfletos. Após quatro anos, os brasileiros irão votar para governador, senador, deputado federal e estadual e para presidente.

Em ano de eleições, diversas pessoas surgem com o debate sobre esquerda, direita, neoliberalismo, comunismo, fascismo e diversos outros temas políticos. Porém, um determinado público usa esses termos para julgar certo candidato, ou até mesmo eleitores, sem saber o real significado deles. Pensando em esclarecer esses termos, o programa Ponto de Encontro realizou uma entrevista especial com a cientista política Juliana Fratini, autora do livro “Ideologia: Uma Para Viver”, juntamente com diversos outros pesquisadores. Ouça a entrevista na íntegra:

 

De acordo com Juliana, a ideologia de esquerda busca por uma igualdade em direitos, em que todas as pessoas possam ter acesso à subsistências mínimas de vida, como moradia, trabalho, saúde e educação. A cientista frisa que a esquerda busca por um ponto de igualdade na qual ninguém seja subjugado a outro poder maior do que a própria pessoa. Juliana comenta que essa é a perspectiva da esquerda “boa”, já que há diversos exemplos de lideranças que implantaram um regime esquerdista autoritário, como na antiga União Soviética, com o stalinismo, e em outras situações da América Latina. “A esquerda brasileira não tem esse viés (autoritário), ela não tem essa perspectiva. É um grupo que luta essencialmente para manter as qualidades e dignidade mínima das pessoas”, comenta.

Dentro da esquerda há também os termos socialismo e comunismo. “Eles nascem de uma ideia de permitir igualdade entre as pessoas, em que os sujeitos não sejam subjugados a outro. Então tem uma parte muito bonita do socialismo e do comunismo que é em pensar que qualquer sujeito que nasce em qualquer condição e em qualquer lugar, seja ele branco ou negro, rico ou pobre, que more no nordeste ou no sul, eles tenham a mesma condição. Então isso é muito bonito. Agora, nós temos exemplos de fato na história de lideranças comunistas e socialistas que não foram positivas. Nós tivemos o caso pior do regime stalinista na Rússia em que o sujeito ele quase acabou com a população no sentido de tentar promover uma planificação”, exemplifica.

Já a direita, de acordo com Juliana, difere-se da esquerda por conta do tradicionalismo. A direita preza mais por instituições tradicionais, como os valores do casamento, da família e igreja. Assim como a esquerda, a direita também possui exemplos de regimes autoritários, como o nazismo. “A pior delas que a gente viu foi o Hitler, com o fascismo e com o nazismo, no sentido de querer exterminar os outros, buscando a raça pura, a ariana. Mas a gente não pode pensar na direita como sendo algo ruim”, ressalta. “A gente não pode achar que as instituições tradicionais sejam negativas, elas são boas (…) a direita e o conservadorismo estão privilegiando isso. Agora, a gente não pode também achar que é só falar desses temas num nível mais exacerbado que vai garantir uma qualidade de vida para os sujeitos, não. Nós temos que ser flexíveis enquanto cidadão. Temos que entender e respeitar as tradições e entender e respeitar o que vem”, completa.

Juliana ressalta que a sociedade brasileira vive atualmente em um regime político democrático. “A história moderna da democracia preza pelo liberalismo. A gente vive em uma democracia liberal, no seguinte sentido de liberdade de direitos”, comenta. De acordo com a cientista política, com o regime democrático, os brasileiros possuem os seus direitos civis, que são os direitos de ir e vir; direitos políticos, de poderem votar em quem quiserem; e os direitos sociais, que são os direitos de subsistência mínima de vida, como moradia, saúde e educação. Juliana esclarece que essa característica é a democracia liberal, ou seja, independente de qualquer escolha que o cidadão faça em sua vida particular, ele precisa ter os seus direitos garantidos de subsistência mínima de vida.

No entanto, nesse aspecto, também existe o fator do liberalismo econômico. “Quando a gente fala de liberalismo econômico o que vale mais é a intenção de mercado de se auto regular sem intervenções estatais”, comenta. Juliana explica que, pessoas que defendem essa ideologia, seja um grande empresário ou o dono de uma padaria, não querem intervenções estatais. “Só que em alguns casos a intervenção estatal é muito importante, até para que eles possam recorrer quando precisarem de ajuda, quando a economia vai mal. Então esse é o liberalismo, ele quer a liberdade de tudo, sem regulação”, acrescenta.

Já o neoliberalismo é considerada, de acordo com Juliana, uma situação nefasta. A cientista dá o exemplo de empresas globais que possuem milhares de recursos e que afetam a vida dos cidadãos, como a Meta, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp. “É difícil fazer essa regularização e eles estão em todo o mundo”, comenta. “O neoliberalismo não quer essa regulação, ele não quer entender que ele precisa de normas para que a sociedade global como um todo conviva melhor. Ele não pode ter tanto poder assim a ponto de ninguém poder fazer nada contra quando um serviço dá errado. Então essa é a crítica básica do neoliberalismo. Eles precisam pensar nos outros, eles não podem pensar só no dinheiro, precisa haver sim, sempre, em qualquer circunstância, alguma regulação”, esclarece. Juliana ainda acrescenta que o neoliberalismo é avassalador porque se tem a ideia de conquistar, cada vez mais, recursos financeiros sem um limite.

Paralelo às eleições deste ano, é notado uma polarização entre esquerda e direita, representado, pelos próprios eleitores, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo atual presidente Jair Messias Bolsonaro. “O candidato Bolsonaro e seus aliados estão o tempo inteiro desqualificando o que é ser comunista, o que é ser socialista, né? Falam muito sobre o marxismo cultural, o que é que as pessoas entendem de marxismo cultural? O sujeito comum, não entende, não sabe nem o que significa. Agora do outro lado do campo, do Lula, todo mundo é fascista. Cabe uma argumentação dessa de chamar todo mundo de fascista? Que é opositor ao campo ideológico de esquerda. Não, nem todo mundo é fascista. A pessoa pode ser conservadora, querer outras propostas, acreditar em outros sentidos de vida, mas ela não é fascista”, ressalta.

Na opinião de Juliana, a política brasileira vive um momento delicado em que os candidatos usam e abusam de termos políticos para desqualificar os seus adversários sem ao menos explicar o que eles significam ao cidadão comum. Para a cientista, os cidadãos precisam saber o que significam os termos para não cair em falações de candidatos em época de campanha. “E entender o que são essas ideologias, não para só conhecer o candidato, mas para as pessoas se informarem e para ela não ser alvo ou vítima de sujeitos muito mal intencionados, que querem ludibriar essa pessoa, né? Esse cidadão ou essa cidadã, esse eleitor ou eleitora, porque o tempo inteiro nas campanhas os apoiadores vão usar esses argumentos para desqualificar o outro e aí a pessoa precisa saber o que significa isso”, reforça.

Livro discute relevância da Direita, Esquerda e outras ideologias políticas na atualidade

A cientista política Juliana Fratini reuniu pesquisadores de diversos espectros para apresentar um panorama completo do atual pensamento político. O trabalho de curadoria e organização de Juliana Fratini é minucioso em apresentar as questões mais importantes sobre o universo político brasileiro. O título da obra faz referência à música “Ideologia”, de Cazuza, que admitia em sua letra que precisava de um sentido para sua vida.

Sobre os autores

André Pereira César – Cientista social formado pela Unicamp, com especialização em controle orçamentário pela Escola de Administração da Fazenda do Distrito Federal.

Carlos Freitas – Jornalista, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e atua como jornalista na Câmara Municipal de Belo Horizonte.

Christian Edward Cyril Lynch – Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Pesquisador do CNPq e da Faperj.

Claudio Gonçalves Couto – Cientista político, mestre e doutor pela USP, professor adjunto do Departamento de Gestão Pública FVG-Easp; pesquisador CNPQ, integrante do seu comitê de área.

Clayson Felizola – Jornalista e professor pós-graduado em Filosofia pela PUC-MG, com especialização em Filosofia Contemporânea.

Fabrício Amorim – Jornalista, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP. Especialista em Ciência Política pela FESP-SP.

Fernando Miramontes Forattini – Graduado em Filosofia pela USP, mestre e doutorando em História pela PUC-SP e estudante-visitante pela Universidade de Chicago, bem como fellow na Corruption in the Global South Network. Possui especialização em corrupção pela Transparency International School on Integrity (Vilnius, Lituânia) e pela Universidade da Pensilvânia.

Francisco Fonseca – Cientista político e professor da PUC-SP e da FGV/Easp.

Helcimara Telles – Cientista política, doutora em Ciência Política pela USP, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel).

José Paulo Martins Júnior – Bacharel, mestre e doutor em Ciência Política pela USP.

Juliana Fratini (organizadora) – Cientista política, mestre e doutoranda pela PUC-SP.

Marco Aurélio Nogueira – Cientista político, professor titular da Unesp (aposentado) e articulista do jornal O Estado de S. Paulo.

Miguel Chaia – Doutor em Sociologia pela USP, professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP.

Rafael de Paula Aguiar Araújo – Pós-doutor em Comunicação pela Universidade de Lisboa e bacharel em Ciências Sociais pela PUC-SP e em Filosofia pela USP.

Rodrigo Augusto Prando – Professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado – bacharel e licenciado – em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp, FCL, Araraquara.

Wagner Iglecias – Doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.

Vera Chaia – Doutora em Ciência Política pela USP e livre-docente pela PUC-SP. Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP.